A bola conquistou-o cedo e cedo começou a correr atrás dela, na maior parte das vezes descalço, nas ruas da Guiné-Bissau, de onde é natural. Ainda menino, com 15 anos, Simões Lopes, um português radicado no seu país que lhe reconhecera capacidades, pagou-lhe a viagem para Portugal, onde chegou acompanhado por uma carta de recomendação dirigida aos dirigentes do Sporting. Mas Bebiano Gomes, ou simplesmente Bio, acabou no Benfica, depois de já em Lisboa o motorista do autocarro 59 a quem pedira para sair em Alvalade apenas se ter lembrado mais à frente, junto ao Estádio da Luz. "Já que ali estava, fui treinar e o técnico Arnaldo Teixeira já não me deixou sair", recorda com saudade o actual secretário técnico do FC Penafiel. Aos 43 anos, está agradecido ao futebol e reconhecido, em particular, aos "rubro-negros" – foram eles e a sua vontade de vencer novos desafios que lhe permitiram concluir, depois do futebol e numa primeira fase, o ensino secundário e, em Setembro do ano passado, a licenciatura em Direito. Sempre mais e melhor Bio, actualmente a realizar o estágio com um dirigente do Penafiel, percebeu que "o conhecimento do terreno é curto" para as exigências das funções que exerce ou poderá exercer. "A maioria dos colegas das outras equipas representadas na Liga são licenciados e eu, que nunca me acomodei, quero que o Penafiel sinta orgulho em mim", acrescenta, sem esconder que "gostava de um dia merecer a aposta da direcção para homem forte do futebol". Jogou na 1.ª Divisão, alcançou algumas subidas e títulos e foi ainda 12 vezes internacional pela Guiné Di-lo com a consciência e orgulho do caminho trilhado desde que há nove anos aceitou o convite do então presidente António Gomes. "Comecei por trabalhar na secretaria, na gestão de sócios e na organizaçãodos bilhetes dos jogos, que considero ter sido uma excelente escola, estando hoje ligado à parte mais burocrática, como a marcação de estágiosou a preparação das inscrições". Preparar o futuro Bem mais difícil está a ser a digestão à descida da equipa aos escalões secundários: "O plantel era razoável, embora curto em termos de qualidade, e nos jogos em casa, onde éramos fortes e respeitados, apenas vencemos três vezes – e isso diz quase tudo". Admite que todos falharam, ainda que uns mais do que os outros. "Surpreendeu-me a pouca dignidade revelada por alguns jogadores no treino seguinte à confirmação da descida, pois até parecia que tínhamos subido", denuncia. Desse lote exclui "os atletas da terra e os que têm mais anos de casa", perspectivando que será por esses que deve passar a aposta para a próxima época, convencido da disponibilidade da maioria deles para ajudarem a recolocar o Penafiel no lugar onde merece. "Neste momento está tudo parado; ainda não é tarde, mas também não se pode perder muito mais tempo", adverte, sem esconder preocupação pelo "modelo penalizante" de um campeonato onde o vencedor da série não tem garantida a subida. Currículo Como praticante, começou no Benfica aos 15 anos e no lar dos "encarnados" viveu até aos 18. Só por uma vez jogou na equipa principal, curiosamentecom idade júnior – meia parte de um amigável Benfica-Sporting. Tapado pela "polivalência" de Veloso e Pietra, foi emprestado ao Farense (três épocas). No final – e já desvinculado do Benfica – assinou pelo Penafiel, clube que voltaria a representar após passagens por Tirsense, Beira-Mare Académico de Viseu. Deixou o profissionalismo aos 28 anos devido a uma lesão no menisco, mas voltaria a fazer uma perninha no União de Paredes e Alpendorada (três meses). Antes de aceitar o convite do Penafiel, Bebiano Gomes, hoje licenciado, ainda experimentou o banco como treinador do Souselo e adjunto no Rebordosa. As escolhas de Bio Gosta de azul, normalmente não usa perfume, mas considera-se vaidoso quanto baste. LEMA DE VIDA: "Honestidade e respeito". COMIDA: Come de tudo, embora em poucas quantidades. A alimentação é feita à base de grelhados, com excepção do "algo pesado" Caldo de Chabéu. Trata-se de um prato típico da Guiné, feito à base de óleo de palma, que tanto acompanha peixe como carne. BEBIDA: Dos tempos do futebol ficou-lhe o gosto e o hábito da água, embora não recuse um copo de vinho às refeições. Só não gosta mesmo de sumos feitos com corantes e conservantes. MÚSICA: Africana. De todo o género. ROUPA: Hoje veste mais roupa clássica, contrastando com o estilo desportivo dos tempos de futebolista. DESPORTO: Além do futebol, gosta de ver e jogar ténis e de basquetebol americano. Só o râguebi, apesar dos contributos dos "Lobos"na divulgação da modalidade, ainda não o convence muito. CINEMA: Filmes de acção e aventura são os estilos preferidos. ACTORES: Denzel Washington. VIAGENS: Gostava de repetir Paris, mas com tempo para saciar o fascínio que ganhou pela capital francesa. Nunca foi às Caraíbas, mas adorava lá ir, deixando de fora deste roteiro o Iraque. POLÍTICA: Mais ligado às pessoas do que aos partidos, confessa admiração por Martin Luther King e dá nota negativa a Bush. Outras curiosidades Nasceu na Guiné-Bissau a 5 de Dezembro de 1964, mas tem mais anos de Portugal. Vive em Penafiel com a esposa, antiga atleta do Benfica, e a filha. Melhores recordações? "Fiquei marcado pelos três anos que passei no Benfica. Chegado da Guiné com 15 anos, vivi esse período no Lar do clube, ao lado de outros colegas, o que acabou por ser importante para a minha formação como atleta e homem". Se pudesse voltar atrás… "teria dito sim ao convite da Académica, então na 2.ª Liga, mas a época realizada no primodivisionário Beira-Mar, culminada com a presença na final da Taça, fez-me hesitar o suficiente para deixar passar parte do defeso. No fim acabei por ir para o Académico de Viseu". Pessoa ou pessoas que mais influência tiveram na carreira? "Aqueles que no Benfica, dos 15 aos 18 anos, me ajudaram a crescer, como os professores Arnaldo Teixeira, Jesualdo Ferreira e Ângelo Martins". Momento marcante da carreira? "A lesão no menisco sofrida pelo Penafiel diante do Académico de Viseu, que aos 28 anos ditou o fim da carreira desportiva enquanto profissional". Ídolo? "Sempre apreciei muito a maneira de jogar de Humberto Coelho". Adversário mais difícil de marcar? "Makukula, avançado, entre outros, do Guimarães. Era tecnicista e rápido. Terrível!" O onze de Bio: "Lúcio, ex-Tirsense (guarda-redes); Sérgio, ex-Tirsense; Redondo, ex-Beira-Mar; Vlamicir, ex-Tirsense; e Jorge, ex-Tirsense (defesas); João Manuel, ex-Académico de Viseu; Nelson Borges, ex-Farense; Mário Wilson, ex-Farense; e Jorge Jesus, futuro técnico do Braga (meio-campo); Gil, ex-Farense, e Óscar, ex-Farense (ataque)". |